segunda-feira, 15 de março de 2010

Mal-estar com sionismo não é novidade

A proposta do governo israelense para que o presidente Lula visite o túmulo do fundador do sionismo Theodor Herzl causou mal-estar na diplomacia brasileira. Num momento em que Lula tenta passar a imagem de um mediador imparcial no conflito,com certeza tal visita, que não é comum de ser realizada por chefes de estado, não seria vista com bons olhos pelos palestinos.

Quando se trata da criação do Estado de Israel,muitos se lembram que o brasileiro Oswaldo Graça Aranha presidiu a sessão da ONU que aprovou a partilha da Palestina histórica em dois estados,um árabe e um judeu por meio da resolução 181 em 1947. Naquele tempo ainda estavam muito frescas na memória de todos o terrível genocídio nazista cometido contra o povo judeu. A criação de um estado judeu parecia ser antes de tudo,uma questão de sobrevivência para aquele povo tão perseguido historicamente. A ideia da criação de um lar judeu na Palestina,que configuraria o retorno a Sião,nome bíblico de Canaã, a Terra Prometida,apesar de nunca ter sido descartada pela diáspora judaica,ganhou sistematização teórica com a publicação, em 1896, do livro “O Estado Judeu” de Theodor Herzl.

A visita de Lula é a primeira de cunho oficial de um chefe de Estado brasileiro à região de Israel e dos territórios ocupados desde a viagem do imperador Dom Pedro II à região, em 1876. Apesar de a imigração árabe ao Brasil datar do final do século XIX e de o Brasil possuir relações diplomáticas com muitos países da região desde o fim do colonialismo do pós-guerra, foi o presidente Ernesto Geisel que, devido à crise do petróleo, estreitou os laços comerciais com os países da região. Na época,a OPEP dividiu os países em amigos ou não da causa palestina, para não sofrer os efeitos do embargo o país precisava estar no primeiro grupo. Enquanto Médici posicionava-se de forma no mínimo ambígua em relação à resolução 242 da ONU que ordenava a retirada israelense dos territórios palestinos ocupados, o ministro Azeredo da Silveira, numa recepção ao ministro de negócios estrangeiros saudita Omar Al-Sakkaf, posicionou-se de forma inequívoca a favor da causa palestina e, em 1974, chegaria a fazer um discurso pró-palestino na XXIX Assembléia Geral da ONU.

Assim, o governo brasileiro aceitava os direitos do povo palestino a autodeterminação e soberania como único caminho para uma paz duradoura na região. Na XXXI Assembléia Geral da ONU, o Brasil votou a favor de uma solução negociada entre árabes e israelenses, tendo como base a carta da ONU.
No entanto, em outubro de 1975, o Brasil causou desconforto entre norte-americanos e sionistas em geral ao votar na ONU condenando o sionismo como uma forma de racismo. De acordo com o presidente Ernesto Geisel,

“Não aceitei uma forma evasiva que a diplomacia usa. O Itamaraty, quando estava convicto do voto que devia proferir, mas sentia que com ele iria desagradar aos Estados Unidos ou a outro país importante, adotava a política de abstenção, se abstinha de votar. Não aceitei isso, dizendo que era uma covardia. Se o Brasil tem uma opinião, ele tem que defender o seu ponto de vista e votar de acordo com a sua convicção. Estou convencido até hoje de que o sionismo é racista. Não sou inimigo dos judeus, até porque em matéria religiosa sou muito tolerante. Mas como é que se qualifica o judeu, quando é que o indivíduo é judeu? Quando a mãe é judia. O judaísmo se transmite pela mãe. O que é isso? Não é racismo? Não é uma raça que assim se perpetua? Por que eu não posso declarar isso ao mundo? O que tem isso de mau? Contudo nosso voto provocou uma celeuma danada.”

Apesar desta forte declaração pessoal de Geisel, do ponto de vista estritamente político, o Brasil não poderia ter se posicionado de outra forma, devido à crise do petróleo e ao fato de que o Brasil chegava ao final do “milagre econômico”, necessitando, portanto, fortalecer suas relações com os países árabes. Contudo, de acordo com o cientista político Walder de Góes, a decisão de votar favoravelmente a tal resolução foi precipitada. O Ministro das Relações Exteriores Azeredo da Silveira consultara Geisel sobre qual posição tomar e o presidente recomendara o voto favorável. Quando se deu conta do equívoco político que tal atitude representava tentou recuar, mas a forte reação do Departamento de Estado Norte-americano mexeu com os brios do governo brasileiro, que optou por manter o voto.

Na Resenha de Política Exterior do Brasil o chefe da delegação brasileira viu a necessidade de se explicar. Justificou que o Brasil nada tinha contra os judeus ou o judaísmo e reconhecia Israel como estado independente. No entanto, não admite que este reconhecimento esteja baseado na aceitação de idéias sionistas e como, mesmo o sionismo não é unanimidade entre os judeus, não se pode confundir anti-sionismo com antijudaísmo. Em relação aos palestinos, apesar da permissão de abertura de um escritório da OLP em Brasília, não foi conferido a este o status diplomático, por não se tratar de país independente e mesmo com a intervenção do vice-presidente iraquiano, este era um pedido que não podia ser atendido.

Vale lembrar que o estabelecimento de relações formais entre Brasil e a Autoridade Palestina, data de 1975, quando a OLP foi autorizada a montar uma representação em Brasília, com sede na então existente Liga dos Estados Árabes. Em 1993, a representação foi elevada à categoria de "Delegação Especial da Palestina", com status diplomático semelhante às organizações internacionais credenciadas no Brasil, de acordo com os termos de um acordo concluído em novembro desse ano entre o governo brasileiro e a OLP por um intercâmbio diplomático.

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