terça-feira, 30 de março de 2010

Passeando pelo 25 de Março

No último dia 25 de março, o presidente Lula recebeu uma homenagem da comunidade árabe pelos serviços prestados à aproximação entre o País e o Mundo Arabe. Desde o início do governo Lula o intercâmbio comercial entre o Brasil e os países árabes aumentou 167%.
No evento, Lula recebeu o Grande Colar da Ordem do Mérito da Câmara de Comércio Árabe Brasileira das mãos de seu presidente, Salim Schahin. E ainda foi presenteado com um exemplar do Alcorão traduzido para o português, com "A Grande Faixa", comenda entregue pela primeira vez a uma autoridade brasileira, que ele recebeu do arcebispo metropolitano da Igreja Ortodoxa em São Paulo, Damaskinos Mansour, e com um presente do Conselho dos Embaixadores Árabes no Brasil. Já a primeira-dama, Marisa Letícia, recebeu uma benção na forma de ícone de Nossa Senhora.

Desde o início de seu primeiro mandato, em 2003, Lula definiu como prioridade a aproximação do Brasil com o mundo árabe. Naquele mesmo ano ele se tornou o primeiro presidente brasileiro, no exercício do cargo, a visitar a região. Viajou para o Líbano, Síria, Egito, Emirados Árabes Unidos e Líbia, e lançou a idéia de realizar a Cúpula América do Sul-Países Árabes (Aspa), cuja primeira edição ocorreu em 2005, em Brasília, e a segunda no ano passado, em Doha, no Catar. O terceiro encontro está programado para ocorrer em 2011, em Lima, no Peru.

Depois do primeiro giro pelo Oriente Médio, o presidente esteve também na Argélia, Arábia Saudita, mais uma vez na Líbia, para participar como convidado da Cúpula da União Africana, no Catar, para a 2ª Cúpula Aspa, e mais recentemente na Palestina e na Jordânia. Em maio ele voltará ao Catar para retribuir a visita que o emir Hamad Bin Khalifa Al-Thani fez ao Brasil em janeiro.

Sobre a última viagem, que incluiu também Israel, Schahin, que acompanhou o presidente na Palestina e Jordânia, disse que a receptividade foi “excepcional”. “Os frutos dessa viagem serão o aumento dos negócios, das relações políticas e culturais”, ressaltou. “E também para o processo de paz [entre israelenses e palestinos], que o Brasil, por meio do presidente Lula, deseja contribuir”, acrescentou.

Na seara econômica, as exportações brasileiras ao mundo árabe saíram de US$ 2,76 bilhões em 2003, segundo dados do Ministério do Desenvolvimento, Indústria e Comércio Exterior (MDIC), para o pico de US$ 9,82 bilhões em 2008, e ficaram em US$ 9,4 bilhões em 2009, ano de crise e de retração no comércio exterior. Este ano, os negócios já voltaram a crescer. No primeiro bimestre, os embarques do Brasil ao mundo árabe renderam US$ 1,37 bilhão, um aumento de 33% sobre o mesmo período do ano passado.

25 de Março

Mas por que a homenagem no dia 25 de março? Bom, desde 2008, por força de lei aprovada no Congresso Nacional, a data marca o Dia Nacional da Comunidade Árabe. Para quem gosta de efemérides, 25 de março, no Brasil, é originalmente o Dia da Constituição, pois nesta data, em 1824, foi outorgada a primeira Constituição brasileira pelo imperador Dom Pedro I.
Mas 25 de Março é também o nome da mais famosa rua de comércio popular de São Paulo e onde muitos imigrantes árabes se estabeleceram. “O dia 25 de março é muito vinculado à colônia árabe, pois dá nome à rua que é conhecida no Brasil inteiro como ‘a rua dos árabes’”, disse o senador Romeu Tuma (PTB-SP), autor do projeto que criou o Dia Nacional da Comunidade Árabe.

Tuma, filho de pai sírio e mãe descendente de libaneses, faz parte dos 10% de parlamentares do Congresso Nacional que são de origem árabe. A comunidade é forte na política e conta ainda com cinco ministros no gabinete do presidente Lula.

A história da família de Tuma é parecida com as de muitos dos membros da colônia, hoje estimada em cerca de 12 milhões de pessoas. Seu pai iniciou a vida no Brasil como comerciante, vendendo mercadorias pelo interior, e depois se estabeleceu na 25 de Março com uma loja de armarinhos, tecidos e roupa de cama, mesa e banho.

O pesquisador norte-americano Clark Knowltown, em estudo sobre a imigração árabe no Brasil, fez levantamento estatístico indicando que em 1871, dois imigrantes com passaporte turco entraram no país, seguidos por outros oito em 1872, vinte e um em 1874, quinze em 1877, seis em 1880 e trinta e oito em 1881. Porém, segundo o diplomata saudita Mansour Saleh Al-Safi, que cita tal pesquisa em seu livro Arábia Saudita: Política Externa e Aspectos de sua Relação com o Brasil

"Apenas em 1892 as autoridades brasileiras começaram a registrar corretamente as nacionalidades, Aparecendo naquele ano 93 sírios como imigrantes e 196 outros em 1895.Até o final do século, 2.110 imigrantes do Oriente Médio tinham chegado ao Brasil, quer fossem eles registrados como “turcos”, ou sírios, libaneses, armênios, egípcios, marroquinos e argelinos, chegando aquele autor ao total de 106.184 imigrantes de 1871 a 1942."

Contudo, não devemos depositar confiança absoluta nestes dados, pois é fato bem conhecido que não só árabes viviam sob domínio turco e, portanto, outras etnias também portavam o passaporte turco. Muitos judeus vieram para o Brasil com tal documento, o que fez com que o povo os confundisse, e que a comunidade árabe tivesse que sofrer com a pecha muitas vezes imputadas aos judeus de “assassinos de Jesus”.
A propósito, o elemento religioso é muito importante para entendermos a imigração árabe. No final do século XIX, ela era quase toda cristã. Vivendo em países onde eram minorias, sentiam-se atraídos por países que unissem o Cristianismo como religião majoritária e a possibilidade de enriquecimento.
Por volta de 1890, o número de cristãos já era grande o suficiente para que se fizesse necessária a presença de padres do rito maronita e da Igreja Ortodoxa. E em 1896, um rabino sírio viria para fundar a primeira sinagoga carioca. Os muçulmanos árabes só fundariam a primeira mesquita quase cinco décadas depois, embora o Islã já tivesse chegado ao Brasil no final do século XVII, através dos escravos maleses.

Ao contrário de outras colônias como a alemã, que se fixou no sul do Brasil, e a italiana que radicou-se predominantemente em São Paulo, os árabes, não se fixaram em lugar algum. A dispersão árabe pelo Brasil acompanha os ciclos econômicos do País. Durante o ciclo da borracha, foram à Amazônia vender seus produtos aos barões locais. Quando foi a vez do café, seguiram rumo à São Paulo, Paraná e Mato Grosso. Revolucionaram o comércio popular com novidades para a época, como vendas à prazo e liquidações.
A maioria dos imigrantes era formada por moradores do campo ou lavradores, mas com uma multissecular experiência em negociar e intermediar vendas, preferindo atuar no que parecia mais propício à obtenção de lucros rápidos com os quais pretendiam voltar à seu pais de origem, pois nessas primeiras levas,o imigrante não considerava definitiva sua vinda ao Brasil.

Com o colapso do Império Otomano, ao final da Primeira Guerra Mundial, muitos retornam à sua terra, alimentando o ideal de ver o oriente médio livre. Porém, a decepção é grande. Inglaterra e França partilham a região entre si. A França ficou com Síria e Líbano, a Inglaterra com a Jordânia (então chamada Transjordânia) e Iraque. A Palestina ganhou o duvidoso status de “protetorado britânico”. Os árabes não estavam livres, mas apenas submetidos a um novo senhor. A partir deste ponto, a imigração deixa de ter caráter provisório. Abandonam o sonho de retornar ricos à sua terra e passam a buscar um lar definitivo na América. Os novos imigrantes encontravam os pioneiros já estabelecidos no comércio atacadista. Estes forneciam-lhes mercadoria e know-how para trabalhar na nova terra.

Alem de sírios e libaneses, houve outra imigração, bem mais recente, a dos palestinos, ocorrida a partir da década de 1970, portanto pouco após a ocupação dos territórios palestinos por forças israelenses, e de distúrbios ocorridos na Síria e no Líbano. Embora este movimento de refugiados palestinos já existisse desde a criação de Israel, em 1948, é depois da Guerra dos Seis Dias, que este se intensifica. Muitos desses palestinos fixaram-se em São Paulo, Porto Alegre e no Distrito Federal.

Entre os imigrantes do século XX, estavam professores, jornalistas, escritores, etc. Durante o Estado Novo, surgiu uma associação de escritores árabes chamada “Nova Andaluzia”, que teve que ser extinta devido à política xenófoba do governo Vargas. Também na vida pública os árabes se destacaram. Nomes como o de Francisco Rezek, Antonio Kandir, Ibrahim Eris, Espiridião Amin,José Richa e o já citado Romeu Tuma, dentre outros, destacaram-se na política nacional e demonstram a mobilidade social que o imigrante árabe obteve neste país. Com um segmento populacional tão significativo, composto por imigrantes bem sucedidos nos negócios e na política, é natural observar que o Brasil mantêm relações comerciais com o mundo árabe desde o aparecimento das nações árabes modernas.
No próximo post falaremos sobre essas relações...

quinta-feira, 25 de março de 2010

Amorim e diretor da AIEA divergem sobre negociação com Irã

O ministro das Relações Exteriores, Celso Amorim, e o diretor-geral da AIEA (Agência Internacional de Energia Atômica), Yukiya Amano, demonstraram divergências quanto ao rumo das negociações sobre o programa nuclear do Irã, em entrevista conjunta no Rio.
O japonês Amano, que assumiu o cargo há quatro meses e é considerado mais alinhado aos EUA que seu antecessor, o egípcio Mohammed El Baradei, também fez pressão discreta para que o Brasil assine um protocolo adicional ao TNP (Tratado de Não Proliferação), ampliando o alcance das inspeções da AIEA nas instalações nucleares brasileiras.

O diretor da agência atômica da ONU disse que "continua na mesa" a proposta para que o Irã troque seu estoque de urânio com baixo enriquecimento por combustível enriquecido a 20%, destinado a abastecer seu reator para uso médico -o plano evitaria que os iranianos usem o estoque para construir uma bomba.
Mas Amano deixou claro que não pretende ou não tem apoio no momento para atualizar a proposta no sentido sugerido por Amorim, de que a troca simultânea, como quer Teerã, seja feita por intermédio de um terceiro país, como a Turquia, que tenha a confiança do Ocidente e dos iranianos.
Mesmo com um "convite em aberto", ele disse não ter "plano ou data particulares" para visitar o Irã -iniciativa que, segundo disse Amorim à Folha anteontem, daria novo impulso à negociação. "Não posso ir a Teerã para dizer oi, preciso ter algo político para discutir. Negociamos discretamente, por vários canais, e outros países, como Brasil e Turquia, estão falando com os interessados."
O diretor da AIEA indicou ainda que sua prioridade é que o Irã "esclareça" as suspeitas levantadas no relatório divulgado por ele no mês passado. Embora, afirmou, o texto não acuse o país de ter um programa militar secreto, é preciso que os iranianos se disponham a "conversar" sobre o tema, o que não fazem desde 2008.
O chanceler brasileiro, no entanto, tem posição inversa. Para ele, um acordo para a troca de combustível é que poderia melhorar a relação entre o Irã e a AIEA. "Achamos que é preciso haver cooperação. Para que haja cooperação, seria positivo que o acordo avançasse. Haveria mais clima para a discussão de outras questões."
Mesmo admitindo que a AIEA tem de sanar as dúvidas sobre o Irã, a diplomacia brasileira avalia que o relatório de Amano recicla suspeitas velhas, citando "estudos alegados" feitos por agências de espionagem não nomeadas.
"A questão é ser cuidadoso, porque você pode ser ingênuo por acreditar muito no Irã ou por acreditar muito nas agências de informação de outros países", afirmou Amorim.

Ele voltou a citar o Iraque, "quando foi preciso pelo menos 200 mil pessoas mortas" para se concluir que não havia armas de destruição em massa.
Amano, que visitou a fábrica de urânio enriquecido da INB (Indústrias Nucleares do Brasil), falou do protocolo adicional no início da entrevista. "O protocolo reforça a capacidade de verificação da agência, e eu gostaria de ver um número máximo de países aderindo."
A posição brasileira é a de só negociar um protocolo do tipo numa barganha em que as potências nucleares se comprometam com o desarmamento, como prevê o TNP. O país afirma ainda que suas instalações estão sob escrutínio suficiente, da AIEA e da Abacc (Agência Brasileiro-Argentina de Controle e Contabilidade).

Fonte: Folha de S. Paulo

Jundallah e o "terrorismo do bem"

O governo iraniano está comemorando a captura de Abdul Malek Rigi, o líder de um grupo chamado Jundallah ( Soldados de Deus, em árabe), que Teerã diz ser uma organização terrorista apoiada pelos Estados Unidos, Grã-Bretanha e Israel. O Jundallah vêm há algum tempo realizando ataques violentos a bomba contra o regime islâmico do Irã com o objetivo de desequilibrá-lo.É formado por árabes do Baluquistão,no sudeste do país, próximo a fronteira com o Afeganistão e o Paquistão,e tem recebido apoio do Talebã em seus ataques. O Jundallah alega que sua finalidade é proteger os direitos da minoria sunita no Irã.

Em um artigo de 7 de julho de 2008, para a revista New Yorker, o jornalista investigativo Seymour Hersh citou Robert Baer, um ex-agente da CIA que trabalhava clandestino no sul da Ásia e do Oriente Médio durante quase duas décadas, que afirmou que o Jundallah era um grupo militante iraniano que contava com o apoio dos EUA. Hersh também informou que o presidente George W. Bush assinou um documento em finais de 2007 que foi autorizada a liberação de cerca de US $ 400 milhões para operações secretas destinadas a desestabilizar o governo do Irã, em parte, do apoio a organizações militantes de oposição.

Outro grupo identificado como um tendo "laços de longa data" com a CIA e os EUA foi o Mujahedin-e-Khalq, ou MEK, que está na lista do Departamento de Estado dos grupos terroristas. O Mujahedin já contou com apoio norte-americano no início da década de 1980,quando realizou diversos atentados contra membros-chave do governo revolucionário,inclusive matando Mohamed Beheshti,o então braço direito de Khomeini e ferindo gravemente o atual Líder Supremo Ali Khamenei. O Mujahedin chegou ao extremo de lutar do lado de Saddam Hussein na Guerra Irã-Iraque.

Mas o Jundallah foi poupado dessa designação, uma possível indicação de que o governo norte-americano encara-o como um aliado valioso para o confronto contra o Irã, ou no jargão da "guerra ao terror", como um dos "mocinhos". O General Mizra Aslam, ex- chefe do Exército do Paquistão, acusou os EUA de apoiar o Jundallah com treinamento e outras ajudas. Mas o governo EUA nega que tenha ajudado Rigi, ou o seu grupo.

Desde sua captura,no início do mês,Rigi foi tecendo histórias sobre seus contatos com autoridades americanas. Segundo a TV iraniana, Rigi disse que os Estados Unidos prometeram Jundallah ajuda militar em apoio da sua revolta contra a República Islâmica do Irão. O líder capturado descreveu contatos supostamente ocorridos em março de 2009, em que os representantes EUA "disseram que vão cooperar conosco e nos dar equipamentos militares, armas e metralhadoras. Eles também prometeram-nos uma base ao longo da fronteira do Afeganistão com o Irã . Rigi afirmou que os representantes norte-americanos disseram que um ataque direto sobre o Irã seria muito caro e que a CIA no momento preferia apoiar grupos militantes que poderiam desestabilizar o país:”Os americanos disseram : o nosso problema com o presente é o Irã ... não a al-Qaeda ou os talibãs , mas o Irã, e pretendemos auxiliar todos os grupos que tenham capacidade para criar dificuldades ao atual regime”, disse Rigi, segundo a Press TV.

Os holofotes indesejáveis sobre Rigi e o Jundallah ameaça trazer à tona uma estratégia mais ampla dos EUA e de Israel para a mudança de regime em Teerã, um objetivo que remonta pelo menos ao presidente Bush no célebre discurso sobre o "eixo do mal" em 2002.

Segundo essa análise, o medo de que o Irã adquira armas nucleares é a grande razão para o aumento da tensão.Neste cenário, "bons” terroristas como o Jundallah poderiam ser recrutadas para outros fins que não a violência simples. Poderiam ser usados por exemplo para sabotar qualquer resposta favorável aos esforços do presidente iraniano aos apelos de Barack Obama para a negociação.

E este é precisamente o que fez Jundallah outubro do ano passado, logo após o governo de Ahmadinejad, dar uma prova tangível de que estava disposto a negociar em resposta ao apelo de Obama.Em primeiro de outubro de 2009, Teerã surpreendeu praticamente a todos ao concordar em enviar cerca de 75% do seu urânio pouco enriquecido no exterior para ser transformado em combustível para um reator de pequeno porte que produz isótopos médicos.

Mesmo o New York Times reconheceu que " se isso acontecer, representaria uma grande conquista para o Ocidente, reduzindo a capacidade do Irã de fabricar uma arma nuclear rapidamente, e mais tempo para as negociações começarem a dar frutos."
Invertendo a alergia a administração Bush para falar com os "maus", Obama enviou então o subsecretário de Estado William Burns à reunião de Genebra. Os 45 minutos de tete-à-tête entre Jalili e Burns marcou o mais alto nível de conversações entre Irã e EUA nas últimas três décadas.

Jalili também manifestou a concordância do Irã para abrir as instalações de enriquecimento de urânio perto da cidade de Qom à inspeção internacional dentro de duas semanas, o que Teerã de fato fez.
No entanto, em 18 de outubro de 2009, Jundallah detonou um carro-bomba em uma reunião dos principais comandantes da Guarda Revolucionária iraniana e líderes tribais na província do Baluquistão, e montou um ataque na estrada em um carro cheio de guardas no mesmo área.

O comandante general de brigada, que foi adjunto das forças terrestres da Guarda Revolucionária, o brigadeiro comandante no Baluquistão, três comandantes de brigada e dezenas de outros oficiais militares e civis foram mortos ou feridos. O Jundallah assumiu a autoria dos atentados, incluindo uma tentativa de emboscada da comitiva do presidente Mahmoud Ahmadinejad como ele passou pelo Baluquistão, em 2005.

O ataque de 18 de outubro o mais sangrento no Irã desde a guerra de 1980-88 com o Iraque veio um dia antes das negociações fossem retomadas pela Agência Internacional de Energia Atômica (AIEA) .Imediatamente a Guarda Revolucionária foi falar diretamente com o seu patrono, o líder supremo Ali Khamenei, acusando o Ocidente de não ser confiável. Khamenei emitiu uma declaração em 19 de outubro condenando os terroristas, e afirmando que o Jundallah é “apoiado por agências de certas potências arrogantes".

“Coincidentemente”,desde este atentado pouco divulgado no Ocidente,os iranianos retrocederam em seu compromisso anterior de exportar a maioria de seu urânio enriquecido.

sábado, 20 de março de 2010

Brasil interpõe-se entre Israel e o Irã

Pepe Escobar, do Asia Times Online

Por falar em Via Dolorosa, Luiz Inacio Lula da Silva foi o primeiro presidente do Brasil a visitar oficialmente Israel. Louvado por seu carisma, habilidade e formidáveis capacidades de negociador – Obama, dos EUA, refere-se a ele como “O cara” –, mal sabia o presidente Lula que, para conseguir conversar seu anfitrião, essa semana, teria de passar a perna no próprio profeta Abraão em pessoa, nada mais, nada menos.

Ao fim e ao cabo, Lula não se deixou enrolar. Não fez concessões. E, diferente do vice-presidente dos EUA Joseph Biden, semana passada, conseguiu não ser humilhado publicamente pelos donos da casa.

Lula é homem habituado a enfrentar interlocutores duros. Avigdor Lieberman, ministro de Negócios Internacionais de Israel, boicotou seu discurso no Parlamento e o encontro com o primeiro-ministro Benjamin Netanyahu. O motivo: Lula não visitou o túmulo do fundador do sionismo Theodor Herzl. Ora essa! Nem Nicolas Sarkozy da França, nem Silvio Berlusconi da Itália visitaram o tal túmulo, quando visitaram Israel.

Brasília – como Paris e Roma – sabe muito bem que visitar túmulos não é obrigatório em viagens presidenciais. Ainda assim, um coro dos colonos judeus sionistas fanáticos do partido Likud em Israel não mediu palavras para ‘diagnosticar’ que a não-visita feriria de morte a competência do governo do Brasil para atuar com o mediador no conflito Israel-Palestina.

Lula ovacionado

No Parlamento, Lula enfrentou tentativa de linchamento, inclusive por Netanyahu, por sua política de não-confrontação e de diálogo com o Irã. O presidente do Brasil nem piscou. Condenou, com igual peso, tanto o holocausto quanto o terrorismo; lembrou os donos da casa que o Brasil e a América Latina têm posição assumida contra as armas nucleares; insistiu nas vias do “diálogo” e da “compaixão” para superar o conflito no Oriente Médio; defendeu uma solução viável de dois Estados para Israel e Palestina. Nem por isso deixou de criticar as construções de casas exclusivas para judeus em Jerusalém Leste. Foi ovacionado. Segundo depoimento de deputados israelenses, “foi muito mais aplaudido que George W. Bush”.

O profeta tropical

Nem que encarnasse o Abraão dos Abraões, Lula conseguiria convencer os sionistas fanáticos e seus lugares-tenentes. Mas, sim, Lula disse ao jornal israelense Ha’aretz o que os atores mais sérios no Oriente Médio já sabem mas não dizem; o “processo de paz” está sem rumo; não há outra alternativa além de incluir novos mediadores na mesa de negociação – parceiros novos, como o Brasil.
O mesmo se aplica à discussão do dossiê iraniano: “Os líderes mundiais com os quais conversei creem que temos de agir rapidamente, ou Israel atacará o Irã.” Lula está convencido de que novas sanções contra o programa nuclear iraniano serão contraproducentes. E suas palavras ecoaram pelo planeta: “Não podemos permitir que aconteça no Irã o que aconteceu no Iraque. Antes de novas sanções, temos de tentar, por todos os meios possíveis, construir a paz no Oriente Médio”.
A visão oficial do governo do Brasil – que ecoa e é ouvida em praticamente toda a comunidade internacional (vale dizer, não só no clube exclusivo de Washington e entre os suspeitos europeus de sempre) – é que nada, até agora, foi satisfatoriamente discutido com o Irã, sobre seu dossiê nuclear. Lula foi muito firme e claro: o Irã tem, sim, direito de desenvolver um programa nuclear para fins pacíficos nos termos admitidos pelo Tratado de Não Proliferação Nuclear do qual o país é signatário.

O Brasil ocupa hoje um dos assentos do Conselho de Segurança da ONU. Como a China, o país também não aprova e não apoiará novas sanções que os EUA querem impor ao Irã – e diga o que disser o secretário de Estado Robert Gates, que anda espalhando boatos de que os EUA já teriam os votos necessários para aprovar uma quarta rodada de sanções, porque a Arábia Saudita teria afinal convencido a China. A China jamais votará contra seus próprios interesses de segurança nacional – e o Irã é, sim, assunto de segurança nacional para os chineses.
Em maio, Lula estará em Teerã e, outra vez, reunir-se-á com o presidente Mahmud Ahmadinejad. Os sionistas linha-dura estão – como é rotina – fumegando.
Lula sabe muito bem que as chamadas “sanções espertas” [ing. smart sanctions], que visam principalmente o Corpo dos Guardas Revolucionários Islâmicos [ing. Islamic Revolutionary Guards Corps (IRGC)] – que controla o centro do poder econômico e político no Irã – também afetarão milhões de civis conectados às empresas e negócios controladas pelo IRGC, ou seja, imporá novos sofrimentos à população em geral, que já paga o alto preço imposto pelas atuais sanções. O IRGC controla pelo menos 60 portos no Golfo Persa. Impedir que a Ásia negocie c om o Irã implica bloqueio naval. E bloqueio naval é declaração de guerra.

Não pressionar o Irã

Lula chega ao Oriente Médio em conjuntura muito especial: no momento em que o governo de Netanyahu decidiu construir mais casas exclusivas para judeus em Jerusalém Leste e na Cisjordânia, mesmo ao preço de perder o apoio crucial dos EUA no front iraniano.
Ironicamente, o Brasil pode estar começando a seduzir o establishment israelense, mas mais no front econômico, que no front geopolítico.
Israel assinou um acordo de livre-comércio [ing. “free-trade agreement” (FTA)] com o Mercosul[2] – o quinto maior bloco em termos de produto interno bruto. O acordo não agradou aos palestinos, para quem o FTA que foi assinado fortalecerá o complexo industrial-militar de Israel.
E é nesse momento que o Brasil diz bem claramente que defende um Estado palestino viável, nos limites das fronteiras demarcadas em 1967. Esse acordo de livre-comércio implica uma cláusula estratégica: permite transferir tecnologia de armas aos países-membro do Mercosul. As armas que fazem a repressão em Gaza estarão, em pouco tempo, disponíveis na América Latina.

Num front paralelo, ao elogiar o papel do Brasil como mediador, o presidente Shimon Peres sugeriu pessoalmente a Lula que o Brasil fizesse coincidir, em território brasileiro, duas visitas: do presidente da Síria Bashar al-Assad e a de Netanyahu. Assad visitará o Brasil ainda esse ano; e, na semana corrente, Netanyahu também aceitou convite para visitar o Brasil. Uma reunião tropical, informal, entre Síria e Israel, poderia criar a circunstância ideal para começar a quebrar o gelo. Lula e Netanyahu organizaram um sistema bilateral de encontro entre chefes de Estado e principais ministros a cada dois anos.

Mas… e quanto aos EUA, em tudo isso? Há vigente hoje um acordo estratégico entre EUA e Brasil, pelo qual estão previstos dois encontros de nível ministerial (ministérios de Relações Exteriores) por ano, um nos EUA, outro no Brasil.
O ministro brasileiro de Relações Exteriores chanceler Celso Amorim tem excelentes relações com a secretária de Estado dos EUA, Hillary Clinton. Em recente visita ao Brasil, Clinton insistiu muito fortemente para que Lula e Amorim apoiassem nova rodada de sanções contra o Irã. Os brasileiros recusaram polidamente e firmemente.
À Clinton restou a alternativa de reclamar, em conferência de imprensa, que o Irã estaria “usando” o Brasil, a Turquia e a China para escapar das sanções. Amorim, por sua vez, sempre lembra o desastre iraquiano: “Eu era embaixador na ONU nos dias críticos das decisões sobre o Iraque. E o que nós vimos lá foi um enorme erro.”
Lula foi meridianamente claro e específico: “Não é inteligente empurrar o Irã contra a parede. Quero para o Irã o que quero para o Brasil: usar a energia nuclear para fins pacíficos. Se o Irã for além disso, então não aceitaremos.” Exatamente a posição dos chineses.

Lula e Obama deram sinais de estar em sincronia sobre o Irã, desde o encontro que tiveram durante uma reunião dos Grupo dos 8+5 em Aquila, Itália, há nove meses. Então, Obama chegou a encorajar o diálogo Brasília-Teerã, desde que o Brasil pressionasse o Irã a aceitar o compromisso de manter seu programa nuclear estritamente para finalidades pacíficas. Foi exatamente o que Lula disse a Ahmadinejad quando se encontraram no Brasil. O que mudou foi a posição do governo de Obama, o qual, depois daqueles dias endureceu muito.
Os diplomatas brasileiros insistem que Ahmadinejad jamais fechou a porta a negociações. Em encontros diplomáticos bilaterais discretos, funcionários dos EUA admitem a diplomatas brasileiros que Ahmadinejad não é, de modo algum, intransigente; como tampouco é intransigente o Líder Supremo Aiatolá Ali Khamenei. Em discurso de 19 de fevereiro no batizado de um destróier iraniano, Khamenei mais uma vez negou que o Irã esteja trabalhando para ter armas atômicas; e destacou que as armas atômicas são ilegais, nos termos da lei islâmica, porque sempre mataram grande número de civis inocentes.
O problema, se não foi inventado, foi, no mínimo, muito aumentado pela mídia dos EUA e Europa. Por causa disso, a própria Clinton, em momento de rara sinceridade, durante viagem à América Latina, teve de admitir que as sanções ainda demorariam “vários meses” para ser implantadas, se o forem.
Mesmo antes da visita de Clinton, o ministro das Relações Exteriores do Irã Manouchehr Mottaki já admitira a jornalistas brasileiros, sem pedir sigilo, que o Brasil poderia ser uma “ponte” entre o Irã e a frente EUA-União Europeia, por causa da “posição realista” do governo e da diplomacia brasileira. Mottaki não vê o Brasil como “mediador”. Prefere falar de “um facilitador de consultas”, uma vez que Teerã entende que nenhum outro país deva falar pelos interesses iranianos.
Brasília tampouco pediu para mediar coisa alguma. Mottaki informou que ele próprio tem “trabalhado substancialmente, fazendo diplomacia telefônica” com o chanceler Amorim. Teerã evidentemente vê os benefícios de estabelecer um canal de diálogo com o ocidente industrializado mediante um país em desenvolvimento.

Os BRICs como a nova superpotência

A estratégia do presidente Lula de tentar posicionar-se como uma “ponte” é especialmente bem-vinda, uma vez que o dossiê iraniano está chegando a fase crucial, na qual as facções mais linha-dura do bloco EUA-UE-Israel estão fazendo de tudo para desmentir e apagar qualquer prova (mesmo dos serviços de inteligência) de que o Irã não está construindo bomba alguma; e já houve tentativas sistemáticas de ‘corrigir’ informes de inteligência para que sirvam como ‘prova’ do oposto do que de fato comprovam (ecos do Iraque?).

A entrada de Lula nesse cenário e arena também implica maior destaque para os BRICs (Brasil, Rússia, Índia, China), que já atuam como uma nova superpotência – ante uma ‘dominação’ cada vez mais desorientada e sem rumo, dos EUA. Nenhum dos BRICs é favorável ao isolamento do Irã; muito mais contrários são, é claro, a qualquer ataque ao Irã. E assim continuará, enquanto acreditarem que o Irã realmente não está próximo de construir sua bomba atômica, como o comprovam montanhas de evidências; nesse caso, um ataque ao Irã terá o efeito altamente indesejável de acelerar a proliferação nuclear no Golfo Persa.

Os BRICs também sabem que EUA e Irã podem, sim, se entender bem e bem rapidamente, mesmo nas questões mais espinhosas. Por exemplo, sobre o Afeganistão.
Só resta, pois, sobre a mesa, a estratégia do elefante na loja de porcelanas, de Israel. É hora de os BRICs pagarem para ver o jogo de Israel.
Se o governo de Netanyahu pode humilhar Obama e Biden no que digam sobre expansão de colônias exclusivas para judeus em Jerusalém Leste e na Cisjordânia, é razoável assumir que ignorará todas as súplicas do comandante do Estado-maior do Exército dos EUA Mike Mullen, que já disse repetidas vezes que qualquer ataque contra o Irã criará “problemas grandes, grandes, muito grandes, para todos nós”.
Israel (e também Washington) pode estar querendo apenas uma mudança de regime no Irã – que, sim, pode ser bem útil e necessária. Para isso, pode usar armas atômicas táticas e destruir as instalações nucleares do Irã. É possível que Israel esteja pronta para declarar outra guerra preventiva (conceito e ideia desenvolvidos em Israel e completamente encampados pelo governo de George W Bush). Claro que os israelenses contam com apoio logístico e político dos EUA.

Lula não avançou até tão longe. Mas o posicionamento do governo Lula do Brasil contêm embriões de todas essas espinhosas questões com as quais os BRICs devem fazer frente a Israel. Então, sim, quando isso acontecer, todo o planeta saberá que rabo, afinal, está mesmo sacudindo o cachorro.


Pepe Escobar[1] é autor de Globalistan: How the Globalized World is Dissolving into Liquid War [O Globalistão: Como o mundo globalizado está se dissolvendo em guerra líquida] (Nimble Books, 2007) e Red Zone Blues: a snapshot of Baghdad during the surge [O blues da Zona Vermelha: instantâneos de Bagdá sob ataque]. Acaba de lançar Obama does Globalistan [Obama cria globalistões] (Nimble Books, 2009).

Colaborou: Francisco Ferraz

segunda-feira, 15 de março de 2010

Mal-estar com sionismo não é novidade

A proposta do governo israelense para que o presidente Lula visite o túmulo do fundador do sionismo Theodor Herzl causou mal-estar na diplomacia brasileira. Num momento em que Lula tenta passar a imagem de um mediador imparcial no conflito,com certeza tal visita, que não é comum de ser realizada por chefes de estado, não seria vista com bons olhos pelos palestinos.

Quando se trata da criação do Estado de Israel,muitos se lembram que o brasileiro Oswaldo Graça Aranha presidiu a sessão da ONU que aprovou a partilha da Palestina histórica em dois estados,um árabe e um judeu por meio da resolução 181 em 1947. Naquele tempo ainda estavam muito frescas na memória de todos o terrível genocídio nazista cometido contra o povo judeu. A criação de um estado judeu parecia ser antes de tudo,uma questão de sobrevivência para aquele povo tão perseguido historicamente. A ideia da criação de um lar judeu na Palestina,que configuraria o retorno a Sião,nome bíblico de Canaã, a Terra Prometida,apesar de nunca ter sido descartada pela diáspora judaica,ganhou sistematização teórica com a publicação, em 1896, do livro “O Estado Judeu” de Theodor Herzl.

A visita de Lula é a primeira de cunho oficial de um chefe de Estado brasileiro à região de Israel e dos territórios ocupados desde a viagem do imperador Dom Pedro II à região, em 1876. Apesar de a imigração árabe ao Brasil datar do final do século XIX e de o Brasil possuir relações diplomáticas com muitos países da região desde o fim do colonialismo do pós-guerra, foi o presidente Ernesto Geisel que, devido à crise do petróleo, estreitou os laços comerciais com os países da região. Na época,a OPEP dividiu os países em amigos ou não da causa palestina, para não sofrer os efeitos do embargo o país precisava estar no primeiro grupo. Enquanto Médici posicionava-se de forma no mínimo ambígua em relação à resolução 242 da ONU que ordenava a retirada israelense dos territórios palestinos ocupados, o ministro Azeredo da Silveira, numa recepção ao ministro de negócios estrangeiros saudita Omar Al-Sakkaf, posicionou-se de forma inequívoca a favor da causa palestina e, em 1974, chegaria a fazer um discurso pró-palestino na XXIX Assembléia Geral da ONU.

Assim, o governo brasileiro aceitava os direitos do povo palestino a autodeterminação e soberania como único caminho para uma paz duradoura na região. Na XXXI Assembléia Geral da ONU, o Brasil votou a favor de uma solução negociada entre árabes e israelenses, tendo como base a carta da ONU.
No entanto, em outubro de 1975, o Brasil causou desconforto entre norte-americanos e sionistas em geral ao votar na ONU condenando o sionismo como uma forma de racismo. De acordo com o presidente Ernesto Geisel,

“Não aceitei uma forma evasiva que a diplomacia usa. O Itamaraty, quando estava convicto do voto que devia proferir, mas sentia que com ele iria desagradar aos Estados Unidos ou a outro país importante, adotava a política de abstenção, se abstinha de votar. Não aceitei isso, dizendo que era uma covardia. Se o Brasil tem uma opinião, ele tem que defender o seu ponto de vista e votar de acordo com a sua convicção. Estou convencido até hoje de que o sionismo é racista. Não sou inimigo dos judeus, até porque em matéria religiosa sou muito tolerante. Mas como é que se qualifica o judeu, quando é que o indivíduo é judeu? Quando a mãe é judia. O judaísmo se transmite pela mãe. O que é isso? Não é racismo? Não é uma raça que assim se perpetua? Por que eu não posso declarar isso ao mundo? O que tem isso de mau? Contudo nosso voto provocou uma celeuma danada.”

Apesar desta forte declaração pessoal de Geisel, do ponto de vista estritamente político, o Brasil não poderia ter se posicionado de outra forma, devido à crise do petróleo e ao fato de que o Brasil chegava ao final do “milagre econômico”, necessitando, portanto, fortalecer suas relações com os países árabes. Contudo, de acordo com o cientista político Walder de Góes, a decisão de votar favoravelmente a tal resolução foi precipitada. O Ministro das Relações Exteriores Azeredo da Silveira consultara Geisel sobre qual posição tomar e o presidente recomendara o voto favorável. Quando se deu conta do equívoco político que tal atitude representava tentou recuar, mas a forte reação do Departamento de Estado Norte-americano mexeu com os brios do governo brasileiro, que optou por manter o voto.

Na Resenha de Política Exterior do Brasil o chefe da delegação brasileira viu a necessidade de se explicar. Justificou que o Brasil nada tinha contra os judeus ou o judaísmo e reconhecia Israel como estado independente. No entanto, não admite que este reconhecimento esteja baseado na aceitação de idéias sionistas e como, mesmo o sionismo não é unanimidade entre os judeus, não se pode confundir anti-sionismo com antijudaísmo. Em relação aos palestinos, apesar da permissão de abertura de um escritório da OLP em Brasília, não foi conferido a este o status diplomático, por não se tratar de país independente e mesmo com a intervenção do vice-presidente iraquiano, este era um pedido que não podia ser atendido.

Vale lembrar que o estabelecimento de relações formais entre Brasil e a Autoridade Palestina, data de 1975, quando a OLP foi autorizada a montar uma representação em Brasília, com sede na então existente Liga dos Estados Árabes. Em 1993, a representação foi elevada à categoria de "Delegação Especial da Palestina", com status diplomático semelhante às organizações internacionais credenciadas no Brasil, de acordo com os termos de um acordo concluído em novembro desse ano entre o governo brasileiro e a OLP por um intercâmbio diplomático.

quinta-feira, 11 de março de 2010

As implicações de um Irã nuclear

Por que o Irã causa tanta preocupação à comunidade internacional? Por que o Paquistão,um país que possui a bomba e um dos regimes mais instáveis do mundo,membros-chave das Forças Armadas simpatizantes ao Talebã, não causa tanto alarde?

A resposta está em duas palavras-chave: petróleo e Israel. O Irã é o terceiro maior produtor de petróleo do mundo e qualquer foco de instabilidade prejudicará o bom funcionamento do mercado. Israel por sua vez não aceitaria ter sua supremacia militar ameaçada por um vizinho muçulmano. O Irã financia o Hamas e o Hezzbollah. O primeiro, antes de vencer eleições democráticas em Gaza,era o principal grupo de resistência palestino e, por diversas vezes usou de métodos violentos contra civis israelenses. Já o Hezzbollah ,apesar de estar na lista de grupos terroristas dos EUA,é um partido político amplamente reconhecido pela sociedade libanesa,que se fortaleceu muito politicamente após a retirada das tropas israelenses do sul do país em 2002 e do ataque de Israel quatro anos depois. Um Irã nuclear patrocinando Hamas e Hezzbollah forçaria o governo israelense a repensar suas incursões militares no Líbano e nos territórios ocupados. Seria uma espécie de equilíbrio do terror na região,e paradoxalmente,uma garantia de paz,como a que ocorreu durante todo o período da Guerra Fria.

Não se deve levar a sério as afirmações de Ahmadinejad de “varrer Israel do mapa”. Não passam de bravatas que tocam o orgulho iraniano. Em entrevista à Larry King na CNN em 2008, Ahmadinejad afirmou que o sentido de sua frase era de que nenhum governo era eterno,e que a ideia,muito disseminada no mundo árabe especialmente após a guerra de 1967 de que o exército israelense é invencível não passa de mito,e usou como exemplo o desmoronamento da URSS, algo inimaginável poucos anos antes e que acabou acontecendo.

A intenção do governo iraniano é prevenir um ataque israelense ou norte-americano e auferir vantagens nas negociações internacionais. O modelo do Irã é a Coréia do Norte,que desde seus testes atômicos em 2006,não tem sido mais pressionado pela comunidade internacional.

Um fato novo seria o governo iraniano aceitar a troca de urânio por combustível nuclear francês. O governo de Teerã afirma que não há garantias de entrega desse combustível e se apoia num dado concreto: o próprio governo francês afirmou que o Irã teria que entrar numa fila de espera de dois anos. O Irã hoje só possui combustível para um ano. O impasse está criado.

Quanto ao Brasil, o chanceler Celso Amorim,já havia declarado em fevereiro que não condicionaria as posições brasileiras em função de suas ambições à cadeira permanente no Conselho de Segurança da ONU,pois de uma forma ou de outra,todo passo que se dá acaba por desagradar algum dos atores internacionais. Segundo o professor da UnB Flávio Saraiva, o Brasil está mostrando autonomia na sua posição e isso só trará conseqüências se o país mantiver sua posição de apoio a Ahmadinejad mesmo diante de provas irrefutáveis de que o programa nuclear iraniano não é pacífico,e tanto Celso Amorim quanto o presidente Lula já deram sinais inequívocos de que o apoio ao Irã está restrito a um programa com fins pacíficos

Segundo analistas norte-americanos Hillary Clinton saiu “desapontada” de seu encontro com Lula,por não ter conseguido que o Brasil apoiasse sanções imediatas. O máximo que a secretária de Estado norte-americana conseguiu extrair do presidente brasileiro foi a promessa de que terá uma "conversa franca" com Ahmadinejad em maio.
Há quem pense que o Brasil esteja se arriscando inutilmente ao tentar ser um mediador na questão iraniana. Mas é um risco que pode valer a pena se Lula obtiver alguma influência nessa questão. Embora o motivo oficial da visita seja a assinatura de acordos bilaterais, os olhos do mundo avaliarão a capacidade da diplomacia brasileira de tentar fazer "as coisas mudarem de curso" como afirmou a senhora Clinton.

terça-feira, 9 de março de 2010

Encontros e desencontros: Obama e a política norte-americana para o Oriente Médio

Os principais jornais do Mundo Árabe têm se dedicado nas últimas semanas a fazer um balanço do que foi este primeiro ano do governo Obama. Há uma sensação de desapontamento muito grande,pois praticamente nada do que foi prometido em seu famoso discurso no Cairo em junho de 2009 se tornou realidade até o momento.
A prisão de Guantánamo ainda não foi fechada,mais tropas foram enviadas ao Iraque e ao Afeganistão,e principalmente nada mudou na questão Israel- Palestina. No discurso do Cairo, Obama afirmou:

...é inegável que o povo palestino --muçulmanos e cristãos-- vem sofrendo em busca de uma pátria própria. Há mais de 60 anos os palestinos suportam a dor do deslocamento. Muitos aguardam em campos de refugiados na Cisjordânia, Faixa de Gaza e terras vizinhas por uma vida de paz e segurança que eles nunca puderam viver. Eles sofrem as humilhações diárias, grandes e pequenas, que acompanham a ocupação. Portanto, que não haja dúvida: a situação do povo palestino é intolerável. A América não dará as costas à legítima aspiração palestina por dignidade, oportunidade e um Estado próprio.

(...) a única solução é que as aspirações dos dois lados sejam atendidas através de dois Estados, em que israelenses e palestinos vivam, de cada lado, em paz e segurança. Isso é do interesse de Israel, é do interesse da Palestina, é do interesse da América e é do interesse do mundo. É por isso que eu pretendo pessoalmente trabalhar por essa solução com toda a paciência que a tarefa exige.


Obama ainda encheu de esperança os muçulmanos ao dizer a seguinte frase:

Os Estados Unidos não aceitam a legitimidade da continuidade dos assentamentos israelenses. Essa construção viola acordos prévios e solapa os esforços para conquistar a paz. É hora de esses assentamentos pararem.

Nunca um presidente norte-americano havia se colocado de maneira tão firme e inequívoca contra a expansão dos assentamentos israelenses nos territórios ocupados. Porém, o Primeiro-Ministro Benyamin Netanyahu e seu Ministro das Relações Exteriores Avigdor Lieberman, que recentemente ameaçou derrubar o presidente sírio Bashar Al Assad, ignoraram solenemente o apelo de Obama e afirmaram que a expansão continuará.

Não houve congelamento algum nos assentamentos e nas negociações de paz nada mudou. Mas por que? A resposta não está apenas em Obama,ou em Netanyahu. Está no AIPAC (American Israel Public Affairs Committee) , o poderoso lobby pró-Israel nos EUA. Em seu site oficial o AIPAC se orgulha de ter influenciado republicanos e democratas a aprovar “dúzias” (a expressão usada é essa) de resoluções pró-Israel no Congresso norte-americano, “que impuseram duras sanções ao Irã nos últimos anos”,asseguraram que a venda de armas aos países árabes jamais ameacem a supremacia militar israelense (em outras palavras se certificando de que as armas vendidas sejam de modelos ultrapassados), e aprovando resoluções no Congresso que assegurem a Israel “o direito de se defender", uma frase mágica,que tanto pode significar medidas legítimas de segurança a cidadãos israelenses,como um mantra para acobertar ataques como o realizado em Gaza em 2009.

O que fica claro para os muçulmanos é que qualquer política norte-americana que não envolva Israel é muito mais fácil de cumprir do que aquelas nas quais o estado judeu está diretamente envolvido. Por isso quando Obama diz que vai retirar as tropas norte-americanas do Iraque até 2012, isto é plausível. Quando conclama por um acordo de paz entre israelenses e palestinos,porém, a tarefa é mais espinhosa. Hillary Clinton,assim como seu marido, é intimamente ligada ao lobby israelense, chegando a ponto de devolver doações feitas por muçulmanos à sua campanha ao senado.

Muitos árabes acreditavam em Obama quase tanto quanto os norte-americanos acreditaram. Mas agora vem a decepção. Obama pode até se preocupar com os árabes e demonstrar publicamente que compreende suas reivindicações. Mas as estruturas políticas são mais importantes do que os indivíduos, e o sistema americano parecem apegado a uma abordagem fundamentalmente equivocada em direção ao Oriente Médio,baseada em noções simplórias de mocinhos e bandidos,bons e maus,enquanto a realidade é bem mais complexa que isso. Na realpolitik existem apenas atores internacionais que procuram alcançar seus objetivos de acordo com suas capacidades e possibilidades. E foi sempre vendo as coisas em termos de preto e banco (Irã x Iraque, Israel x Palestina, Hamas x Fatah) que a política externa norte-americana se equivoca continuamente.

sexta-feira, 5 de março de 2010

Sociedade Brasileira de Física se posiciona contra suposta cooperação nuclear com o Irã

Entidade externa preocupação com os possíveis acordos bilaterais entre o Brasil e países não-signatários do tratado de não-proliferação nuclear

Nota divulgada nesta quarta-feira (3/3) e assinada pelo presidente da SBF, Celso Pinto de Melo:



"Diante de notícias veiculadas pela imprensa de que autoridades governamentais estariam iniciando consultas junto à comunidade científica brasileira sobre pontos de interesse comum que pudessem servir de base a um eventual acordo de cooperação Brasil-Irã na área nuclear, a Diretoria e o Conselho da Sociedade Brasileira de Física gostariam de se manifestar nos seguintes termos:



- consideramos apropriada a atitude do Governo Brasileiro de procurar adotar uma política externa madura, inclusiva e aberta ao diálogo sem preconceitos, sempre voltada para a identificação dos legítimos interesses nacionais, e na busca permanente da conciliação entre os países e da manutenção internacional da paz;



- julgamos que, nesse contexto, a celebração de acordos técnico-científicos bilaterais de cooperação é um dos instrumentos mais úteis para o progresso conjunto das nações e o avanço do conhecimento e da confiança mútua entre os povos;



- em termos da questão nuclear, relembramos o papel histórico da comunidade científica brasileira, e da Sociedade Brasileira de Física, em especial, em reafirmar o interesse nacional em assegurar o máximo de avanço científico e o mais completo domínio das técnicas nucleares, sempre pautados pelo compromisso unilateral de desarmamento e de transparência de ações, e pela objeção moral ao desenvolvimento de armas atômicas;



- por essas razões, externamos nossa preocupação com as notícias de que acordos bilaterais na área nuclear entre o Brasil e países não-signatários do tratado de não-proliferação nuclear possam estar em fase de análise pelo governo brasileiro, e manifestamos nossa convicção de que os interesses brasileiros estariam mais bem representados se, no momento, nenhuma cooperação técnico-científica na área nuclear viesse a ser celebrada com a República Islâmica do Irã."

Embora seja bastante pertinente a observação da inconveniência de cooperação no campo nuclear com um país não signatários do TNP, vale lembrar que em nenhum momento o governo brasileiro se posicionou oficialmente nesse sentido.

Colaborou: Alex Neundorf

quarta-feira, 3 de março de 2010

Hillary,o Brasil e o Irã

A visita da secretária de Estado Hillary Clinton ao Brasil, tem algo de diferente das visitas anteriores de altos emissários da Casa Branca.Além dos assuntos que fazem parte das relações bilaterais há tempos como o etanol, o protecionismo norte-americano em relação aos produtos agrícolas e as questões relativas à Venezuela de Chavez e ao Plano Colômbia,Hillary irá discutir com Lula a respeito da posição brasileira em relação ao programa nuclear iraniano. O Brasil,como membro rotativo do Conselho de Segurança da ONU, tem se posicionado contra a imposição de sanções ao governo iraniano, insistindo no diálogo e no não-isolamento iraniano. Mas por que o Brasil se coloca numa posição contrária a das grandes potências ocidentais e por que esta posição,que aliás é idêntica a da Argentina e do México,se tornou tão relevante?
Para compreender a posição do governo brasileiro,quatro pontos têm que ser levados em consideração,dois históricos e dois ligados ao atual momento político do Brasil.

1) Pragmatismo: a diplomacia brasileira é caracterizada pelo pragmatismo desde a Política Externa Independente (PEI) de Jânio Quadros, que se alinhava aos EUA,enquanto condecorava Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Mesmo durante o regime militar a política externa brasileira se mostrou muito mais ligada aos interesses econômicos brasileiros do que a ideologia dominante no período da Guerra Fria.
O famoso "alinhamento automático" dos governos Castelo Branco e Médici foi um mito,pois o Brasil nunca abriu mão de se relacionar com países socialistas se isso fosse do interesse comercial do país. Em um discurso em julho de 1964,o presidente Castelo Branco reconhecia os EUA como representantes da democracia e dos valores da civilização ocidental, mas afirmava que o alinhamento só ocorreria se não houvesse choque com os interesses brasileiros. Seu Chanceler, Vasco Leitão da Cunha afirmou que o Brasil deveria “exportar ou morrer” e que o interesse comercial deveria estar acima de qualquer tipo de diferença política ou ideológica.
E esta tendência pragmática atingiu seu ápice no governo Geisel. O Ministro das Relações Exteriores Francisco Azeredo da Silveira formulou a política do Pragmatismo Responsável. O chanceler Azeredo da Silveira propôs que o Brasil pautasse sua política externa em seu interesse imediato, especialmente no que se refere ao comércio. Ou seja, os interesses nacionais ficariam acima de qualquer alinhamento ou compromisso ideológico, e se projetavam em todas as direções, ajustadas de acordo com a realidade e o interesse de cada parceiro nas relações bilaterais ou multilaterais de maneira bastante dinâmica.

Assim sendo,o Brasil assumiu posições polêmicas como reconhecer o governo do MPLA (Movimento Popular de Libertação Nacional), de cunho marxista,que havia derrubado o governo local por meio de uma revolução. Para o Brasil interessava reforçar os laços com governos lusófonos e tentar ocupar um nicho de mercado tradicionalmente dominado por Portugal. Em 1973,em plena crise do petróleo, e com a intensificação do comércio do Brasil com o mundo árabe,o Brasil se indispôs com Israel ao votar a favor de uma moção na ONU que considerava o sionismo uma forma de racismo.

2) A questão da autodeterminação: a Conferência de Bandung na Indonésia foi um marco das relações entre os países de Terceiro Mundo e as duas superpotências da época, EUA e URSS. Naquela ocasião,países africanos e asiáticos recém-saídos do colonialismo manifestaram em documentos sua "neutralidade" em relação à Guerra Fria e o direito a seguir um caminho independente,a autodeterminação,ou seja a ideia de que cada país tem o direito a buscar seu desenvolvimento da maneira que lhe aprouver,e que outros países não tem o direito de interferir em seus assuntos internos. Este argumento já foi usado tanto para justificar medidas legítimas de busca de maior autonomia com foi também um escudo de defesa de ditaduras e de flagrantes violações de direitos humanos. O Brasil,como país em desenvolvimento, sempre se colocou a favor da autodeterminação,tanto da própria como da de outros países.

3) O momento: o Brasil vive um momento de inédita exposição no exterior. Sede da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016,com seu presidente sendo considerado o “Homem do Ano” por jornais influentes como o Le Monde e o El País,e membro de uma das cadeiras rotativas do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil quer se impor como um país com algo a dizer no palco das Relações Internacionais,que não precisa da aprovação dos EUA ou da ONU para estabelecer suas relações diplomáticas e que tem agenda própria. O Brasil diante de sua nova posição no cenário global quer marcar sua posição,mostrar independência.
No entanto o peso do Brasil em relação a questão iraniana deve ser relativizada. Primeiro seu assento no Conselho de Segurança da ONU não é permanente e em segundo lugar porque o Brasil ao contrário do grupo de países que compõem o Conselho de Segurança(EUA,Inglaterra,França,Rússia e China) não possui armas atômicas e por isso o peso da sua opinião nesse contexto é bem menor.

4) Interesse próprio: mas além da questão de se ver subitamente como um país importante o suficiente para que a secretária de Estado da maior potência mundial tente convencê-lo a mudar de ideia,porque o Brasil defende o Irã? Ora,porque possui interesse em ter seu próprio programa nuclear e não quer ter seus planos interrompidos quer seja pela União Européia ou pelos EUA. O Brasil se solidariza ao Irã não só para marcar uma posição,mas também para apoiar um país em desenvolvimento a possuir seu programa nuclear para fins pacíficos. E,para a diplomacia brasileira esta é a finalidade do programa iraniano até prova em contrário. Lula tem viagem agendada ao Irã em maio.