terça-feira, 9 de março de 2010

Encontros e desencontros: Obama e a política norte-americana para o Oriente Médio

Os principais jornais do Mundo Árabe têm se dedicado nas últimas semanas a fazer um balanço do que foi este primeiro ano do governo Obama. Há uma sensação de desapontamento muito grande,pois praticamente nada do que foi prometido em seu famoso discurso no Cairo em junho de 2009 se tornou realidade até o momento.
A prisão de Guantánamo ainda não foi fechada,mais tropas foram enviadas ao Iraque e ao Afeganistão,e principalmente nada mudou na questão Israel- Palestina. No discurso do Cairo, Obama afirmou:

...é inegável que o povo palestino --muçulmanos e cristãos-- vem sofrendo em busca de uma pátria própria. Há mais de 60 anos os palestinos suportam a dor do deslocamento. Muitos aguardam em campos de refugiados na Cisjordânia, Faixa de Gaza e terras vizinhas por uma vida de paz e segurança que eles nunca puderam viver. Eles sofrem as humilhações diárias, grandes e pequenas, que acompanham a ocupação. Portanto, que não haja dúvida: a situação do povo palestino é intolerável. A América não dará as costas à legítima aspiração palestina por dignidade, oportunidade e um Estado próprio.

(...) a única solução é que as aspirações dos dois lados sejam atendidas através de dois Estados, em que israelenses e palestinos vivam, de cada lado, em paz e segurança. Isso é do interesse de Israel, é do interesse da Palestina, é do interesse da América e é do interesse do mundo. É por isso que eu pretendo pessoalmente trabalhar por essa solução com toda a paciência que a tarefa exige.


Obama ainda encheu de esperança os muçulmanos ao dizer a seguinte frase:

Os Estados Unidos não aceitam a legitimidade da continuidade dos assentamentos israelenses. Essa construção viola acordos prévios e solapa os esforços para conquistar a paz. É hora de esses assentamentos pararem.

Nunca um presidente norte-americano havia se colocado de maneira tão firme e inequívoca contra a expansão dos assentamentos israelenses nos territórios ocupados. Porém, o Primeiro-Ministro Benyamin Netanyahu e seu Ministro das Relações Exteriores Avigdor Lieberman, que recentemente ameaçou derrubar o presidente sírio Bashar Al Assad, ignoraram solenemente o apelo de Obama e afirmaram que a expansão continuará.

Não houve congelamento algum nos assentamentos e nas negociações de paz nada mudou. Mas por que? A resposta não está apenas em Obama,ou em Netanyahu. Está no AIPAC (American Israel Public Affairs Committee) , o poderoso lobby pró-Israel nos EUA. Em seu site oficial o AIPAC se orgulha de ter influenciado republicanos e democratas a aprovar “dúzias” (a expressão usada é essa) de resoluções pró-Israel no Congresso norte-americano, “que impuseram duras sanções ao Irã nos últimos anos”,asseguraram que a venda de armas aos países árabes jamais ameacem a supremacia militar israelense (em outras palavras se certificando de que as armas vendidas sejam de modelos ultrapassados), e aprovando resoluções no Congresso que assegurem a Israel “o direito de se defender", uma frase mágica,que tanto pode significar medidas legítimas de segurança a cidadãos israelenses,como um mantra para acobertar ataques como o realizado em Gaza em 2009.

O que fica claro para os muçulmanos é que qualquer política norte-americana que não envolva Israel é muito mais fácil de cumprir do que aquelas nas quais o estado judeu está diretamente envolvido. Por isso quando Obama diz que vai retirar as tropas norte-americanas do Iraque até 2012, isto é plausível. Quando conclama por um acordo de paz entre israelenses e palestinos,porém, a tarefa é mais espinhosa. Hillary Clinton,assim como seu marido, é intimamente ligada ao lobby israelense, chegando a ponto de devolver doações feitas por muçulmanos à sua campanha ao senado.

Muitos árabes acreditavam em Obama quase tanto quanto os norte-americanos acreditaram. Mas agora vem a decepção. Obama pode até se preocupar com os árabes e demonstrar publicamente que compreende suas reivindicações. Mas as estruturas políticas são mais importantes do que os indivíduos, e o sistema americano parecem apegado a uma abordagem fundamentalmente equivocada em direção ao Oriente Médio,baseada em noções simplórias de mocinhos e bandidos,bons e maus,enquanto a realidade é bem mais complexa que isso. Na realpolitik existem apenas atores internacionais que procuram alcançar seus objetivos de acordo com suas capacidades e possibilidades. E foi sempre vendo as coisas em termos de preto e banco (Irã x Iraque, Israel x Palestina, Hamas x Fatah) que a política externa norte-americana se equivoca continuamente.

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