quarta-feira, 3 de março de 2010

Hillary,o Brasil e o Irã

A visita da secretária de Estado Hillary Clinton ao Brasil, tem algo de diferente das visitas anteriores de altos emissários da Casa Branca.Além dos assuntos que fazem parte das relações bilaterais há tempos como o etanol, o protecionismo norte-americano em relação aos produtos agrícolas e as questões relativas à Venezuela de Chavez e ao Plano Colômbia,Hillary irá discutir com Lula a respeito da posição brasileira em relação ao programa nuclear iraniano. O Brasil,como membro rotativo do Conselho de Segurança da ONU, tem se posicionado contra a imposição de sanções ao governo iraniano, insistindo no diálogo e no não-isolamento iraniano. Mas por que o Brasil se coloca numa posição contrária a das grandes potências ocidentais e por que esta posição,que aliás é idêntica a da Argentina e do México,se tornou tão relevante?
Para compreender a posição do governo brasileiro,quatro pontos têm que ser levados em consideração,dois históricos e dois ligados ao atual momento político do Brasil.

1) Pragmatismo: a diplomacia brasileira é caracterizada pelo pragmatismo desde a Política Externa Independente (PEI) de Jânio Quadros, que se alinhava aos EUA,enquanto condecorava Che Guevara com a Ordem do Cruzeiro do Sul. Mesmo durante o regime militar a política externa brasileira se mostrou muito mais ligada aos interesses econômicos brasileiros do que a ideologia dominante no período da Guerra Fria.
O famoso "alinhamento automático" dos governos Castelo Branco e Médici foi um mito,pois o Brasil nunca abriu mão de se relacionar com países socialistas se isso fosse do interesse comercial do país. Em um discurso em julho de 1964,o presidente Castelo Branco reconhecia os EUA como representantes da democracia e dos valores da civilização ocidental, mas afirmava que o alinhamento só ocorreria se não houvesse choque com os interesses brasileiros. Seu Chanceler, Vasco Leitão da Cunha afirmou que o Brasil deveria “exportar ou morrer” e que o interesse comercial deveria estar acima de qualquer tipo de diferença política ou ideológica.
E esta tendência pragmática atingiu seu ápice no governo Geisel. O Ministro das Relações Exteriores Francisco Azeredo da Silveira formulou a política do Pragmatismo Responsável. O chanceler Azeredo da Silveira propôs que o Brasil pautasse sua política externa em seu interesse imediato, especialmente no que se refere ao comércio. Ou seja, os interesses nacionais ficariam acima de qualquer alinhamento ou compromisso ideológico, e se projetavam em todas as direções, ajustadas de acordo com a realidade e o interesse de cada parceiro nas relações bilaterais ou multilaterais de maneira bastante dinâmica.

Assim sendo,o Brasil assumiu posições polêmicas como reconhecer o governo do MPLA (Movimento Popular de Libertação Nacional), de cunho marxista,que havia derrubado o governo local por meio de uma revolução. Para o Brasil interessava reforçar os laços com governos lusófonos e tentar ocupar um nicho de mercado tradicionalmente dominado por Portugal. Em 1973,em plena crise do petróleo, e com a intensificação do comércio do Brasil com o mundo árabe,o Brasil se indispôs com Israel ao votar a favor de uma moção na ONU que considerava o sionismo uma forma de racismo.

2) A questão da autodeterminação: a Conferência de Bandung na Indonésia foi um marco das relações entre os países de Terceiro Mundo e as duas superpotências da época, EUA e URSS. Naquela ocasião,países africanos e asiáticos recém-saídos do colonialismo manifestaram em documentos sua "neutralidade" em relação à Guerra Fria e o direito a seguir um caminho independente,a autodeterminação,ou seja a ideia de que cada país tem o direito a buscar seu desenvolvimento da maneira que lhe aprouver,e que outros países não tem o direito de interferir em seus assuntos internos. Este argumento já foi usado tanto para justificar medidas legítimas de busca de maior autonomia com foi também um escudo de defesa de ditaduras e de flagrantes violações de direitos humanos. O Brasil,como país em desenvolvimento, sempre se colocou a favor da autodeterminação,tanto da própria como da de outros países.

3) O momento: o Brasil vive um momento de inédita exposição no exterior. Sede da Copa do Mundo de 2014 e das Olimpíadas de 2016,com seu presidente sendo considerado o “Homem do Ano” por jornais influentes como o Le Monde e o El País,e membro de uma das cadeiras rotativas do Conselho de Segurança da ONU, o Brasil quer se impor como um país com algo a dizer no palco das Relações Internacionais,que não precisa da aprovação dos EUA ou da ONU para estabelecer suas relações diplomáticas e que tem agenda própria. O Brasil diante de sua nova posição no cenário global quer marcar sua posição,mostrar independência.
No entanto o peso do Brasil em relação a questão iraniana deve ser relativizada. Primeiro seu assento no Conselho de Segurança da ONU não é permanente e em segundo lugar porque o Brasil ao contrário do grupo de países que compõem o Conselho de Segurança(EUA,Inglaterra,França,Rússia e China) não possui armas atômicas e por isso o peso da sua opinião nesse contexto é bem menor.

4) Interesse próprio: mas além da questão de se ver subitamente como um país importante o suficiente para que a secretária de Estado da maior potência mundial tente convencê-lo a mudar de ideia,porque o Brasil defende o Irã? Ora,porque possui interesse em ter seu próprio programa nuclear e não quer ter seus planos interrompidos quer seja pela União Européia ou pelos EUA. O Brasil se solidariza ao Irã não só para marcar uma posição,mas também para apoiar um país em desenvolvimento a possuir seu programa nuclear para fins pacíficos. E,para a diplomacia brasileira esta é a finalidade do programa iraniano até prova em contrário. Lula tem viagem agendada ao Irã em maio.

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