domingo, 18 de julho de 2010

Um exemplo de realpolitik

Há no mundo todo 1,3 bilhão de muçulmanos. Destes,apenas 18% são árabes. Os demais são turcos,indianos,paquistaneses,europeus,chineses,americanos e...persas ou iranianos. A rivalidade entre persas e árabes é milenar. Esta rivalidade já existia desde antes do surgimento do Islã,mas neste período o Império persa era poderoso e os árabes um grupo de nômades desorganizados e desunidos. O Islã unificou os árabes sob uma única língua e religião e o que ocorreu daí por diante foi uma das mais assombrosas expansões da História: menos de um século após o falecimento do profeta Muhammad (Maomé) o Islã já se constituía um império que ia da Espanha até a China. Quando chegaram a Pérsia,os árabes encontraram resistência,embora a princípio os persas tenham adotado a versão sunita do Islã,majoritária até hoje,contando com 85% dos muçulmanos. Apenas no século XVI a Pérsia de torna xiita,quando a dinastia safávida chega ao poder. Estudiosos como Stephen Kinzer afirmam que a opção xiita dos persas era uma maneira de aceitar a religião trazida pelos estrangeiros,mas em sua versão "rebelde". Na verdade não é tão simples assim: o Islã xiita guarda grandes semelhanças com a religião original da Pérsia que é o zoroastrismo:bastante emocional,dualística e fundada em líderes carismáticos. Zaratustra no zoroatrismo Muhammad e Ali no xiismo.
Desde então a rivalidade entre persas (iranianos desde 1935) e árabes só fez crescer.
O artigo publicado anteontem na publicação alemã "Der Spiegel",mostra que há um alinhamento entre os conservadores governos árabes e a linha mais à direita do atual governo israelense. A solidariedade entre muçulmanos só existe entre os cidadãos comuns e nos pronunciamentos oficiais. No mundo da política real,as coisas são bem diferentes,com podemos ver a seguir:

"Israel e os Estados árabes próximos ao Golfo Pérsico reconhecem uma ameaça comum: o regime de Teerã. Um diplomata da região sequer descartou apoio por parte dos Estados árabes a um ataque militar com o objetivo de acabar com as ambições nucleares do Irã.

A manhã começou há pouco no cais em Sharjah, que fica logo abaixo do Museu da Civilização Islâmica, e onde os pesados navios de madeira conhecidos com dhows estão sendo carregados. Trabalhadores paquistaneses levam blocos de motores, monitores de plasma e óleo mineral para os porões dos navios. Quando lhes perguntam para onde os dhows estão seguindo, eles dizem, tranquilamente: “Para o Irã”.

O comércio entre os Emirados Árabes Unidos e o seu vizinho que fica do outro lado do Estreito de Hormuz é uma ocorrência diária tão trivial que mal merece ser mencionada nas docas.

As mesmas famílias frequentemente possuem membros em ambas as costas do estreito. O relacionamento comercial entre elas cresceu no decorrer de gerações e são mais duradouras do que qualquer guerra ou embargo comercial.

É claro que o envio de blocos de motores para o cidade portuária iraniana de Bandar-e Lengeh não é proibido. Mas a movimentada atividade de importação e exportação nos cais de atracação dos dhows nos emirados de Sharjah, Dubai e Ras al-Khaimah demonstram como é difícil isolar Teerã.

“Incrivelmente honesto”

Isso torna ainda mais interessantes as palavras proferidas na terça-feira pelo embaixador dos Emirados Árabes Unidos nos Estados Unidos, Yousef Al Otaiba, em Aspen, no Estado do Colorado, que fica mais de 12.500 quilômetros a oeste do Golfo Pérsico. Otaiba participava de um fórum no Festival de Ideias do Instituto Aspen, e o clima era de tranquilidade, ou pelo menos era excessivamente relaxado para o padrão diplomático.

A discussão girava em torno do Oriente Médio. Quando lhe perguntaram se os Emirados Árabes Unidos apoiariam um possível ataque aéreo israelense contra o regime de Teerã, o embaixador Otaiba respondeu: “Um ataque militar contra o Irã, desfechado por qualquer país, seria um desastre, mas um Irã com uma arma nuclear seria um desastre ainda maior”.

Estas foram palavras incomumente honestas. “Um ataque militar sem dúvida provocaria uma retaliação. Haveria problemas, com populações protestando e se rebelando, e se mostrando extremamente insatisfeitas com o fato de uma força militar estrangeira atacar um país muçulmano”, disse Otaiba.

Mas, ele acrescentou: “Se você me perguntar se eu prefiro um quadro como este ou um Irã nuclear, a minha resposta será a mesma. Nós não podemos conviver com um Irã nuclear. Eu estou disposto a absorver tudo o que ocorrer em nome da segurança dos Emirados Árabes Unidos”.

A parlamentar norte-americana do Partido Democrata, Jane Harman, disse depois que nunca ouviu algo como isso de uma autoridade de um governo árabe. “Otaiba foi incrivelmente honesto”, acrescentou Harman.

“Apesar da natureza chocante das suas declarações, Otaiba estava apenas expressando, em um fórum público, a posição de muitos países árabes”, afirma o especialista em Oriente Médio Jeffrey Goldberg, que escreve para a revista “The Atlantic Monthly”, e que foi o moderador do painel de discussões em Aspen.

O fato de alguns políticos ocidentais não estarem familiarizados com essa posição tem a ver com a própria ignorância deles, e com a habilidade diplomática com a qual os menores Estados da região do Golfo Pérsico, em particular, foram capazes de ocultar até agora a sua oposição ao seu poderoso vizinho.

“Os judeus e os árabes estão brigando há cem anos. Mas os árabes e os persas brigam há mil anos”, argumenta Goldberg no site da “The Atlantic Monthly”.

Quase todos os vizinhos árabes mantêm uma relação hostil com a república islâmica. A Arábia Saudita suspeita que o Irã esteja atiçando a minoria xiita nas suas províncias orientais. Os emirados árabes acusam o Irã de ter ocupado três ilhas no Golfo Pérsico. O Egito não mantém relações diplomáticas regulares com o Irã desde que uma rua em Teerã foi batizada com o nome do assassino do ex-presidente egípcio Anwar el-Sadat.

O rei da Jordânia, Abdullah II, faz advertências quanto ao estabelecimento de um “crescente xiita” entre o Irã e o Líbano. E o Kuait, temendo os iranianos, instalou o sistema de defesa antimísseis norte-americano Patriot no segundo trimestre deste ano.

Estreitamente alinhados

Os governos árabes estão preocupados com um Irã forte, com o programa nuclear iraniano e com os discursos incendiários do presidente iraniano Mahmoud Ahmadinejad. Eles compartilham essas preocupações com um outro governo do Oriente Médio – o governo de Israel.

Nunca antes os interesses estratégicos dos Estados árabes e judeu estiveram tão estreitamente alinhados. Enquanto especialistas em segurança europeus e norte-americanos caracterizam sistematicamente um ataque militar contra o Irã como “um último recurso”, autoridades árabes há muito compartilham as ideias do ministro do Exterior ultranacionalista de Israel, Avigdor Lieberman. “Se ninguém assumir a tarefa de bombardear o Irã, Israel terá que fazer isso”, disse a “Spiegel” o clérigo saudita Mohsen al-Awaji. “A agenda de Israel tem os seus limites”, afirmou al-Awaji, observando que Israel está preocupado principalmente em assegurar a sua existência nacional. “Mas a agenda do Irã é global”.

Às vezes essa agenda leva a ações que são tão absurdas quanto típicas. Em fevereiro, por exemplo, Teerã baixou uma proibição de aterrissagens contra todas as companhias aéreas que utilizarem o termo “Golfo Árabe” em vez de “Golfo Pérsico” nos seus programas de bordo.

Mas os países árabes estão exercendo uma delicada política de vai-e-vem. Os Emirados Árabes Unidos não têm condições de ofender publicamente o Irã, o que explica por que o embaixador Otaiba recebeu imediatamente a ordem de retornar para casa na última quarta-feira.

Essa cautela apenas oculta a profunda divisão existente entre os árabes e os persas. Apesar das suas manifestações públicas de indignação com as ações israelenses, como por exemplo o bloqueio militar à Faixa de Gaza, os países árabes da região continuam a seguir a sua rota pragmática. Em 12 de junho, o jornal “The Times” de Londres noticiou que a Arábia Saudita havia recentemente “conduzido testes para desativar as suas defesas aéreas a fim de permitir que jatos israelenses desfechassem um bombardeio contra as instalações nucleares do Irã” - na eventualidade de um ataque israelense contra a usina nuclear localizada em Bushehr. E, em março, agências de inteligência ocidentais anunciaram que havia sinais de negociações secretas entre Jerusalém e Riad no sentido de discutir essa possibilidade.

“Nós estamos alinhados com os Estados Unidos em todas as questões políticas no Oriente Médio”, disse em Aspen o embaixador Otaiba.

Pragmatismo e mudanças de alianças

“Os Emirados Árabes Unidos optaram por se alinhar ao campo daqueles que apoiaram a carta da nova resolução da Organização das Nações Unidas (ONU) de 9 de junho”, escreveu o filósofo francês Bernard-Henri Lévy, observando que isso se constituiu em “um verdadeiro golpe para o regime do Irã”. Para Lévy, a “union sacrée” de países muçulmanos contra o “inimigo sionista” é uma fantasia. Ele acrescentou que os países que se sentem ameaçados por Teerã têm agora a oportunidade de formar uma aliança de conveniência.

Além da Jordânia, os Emirados Árabes Unidos são o único país árabe que possui soldados servindo no Afeganistão – lutando ao lado dos Estados Unidos. Abu Dhabi, o mais rico dos sete emirados, estaria pressionando Dubai para manter sob cerrada vigilância os vários iranianos influentes que vivem lá.

No final de junho, o banco central dos Emirados Árabes Unidos congelou 41 contas bancárias, e descobriu-se que algumas delas estariam diretamente vinculadas à Guarda Revolucionária do Irã. As contas estariam sendo utilizadas para realizar transações vinculadas ao contrabando de materiais contidos na lista de embargo contra o Irã.

Antes disso, os Emirados Árabes Unidos anunciaram um controle mais rígido sobre os navios na zona de livre comércio de Dubai. “Forças de segurança interditaram vários navios suspeitos de transportar cargas ilícitas”, afirmou Hamad Al Kaabi, o representante permanente dos Emirados Árabes Unidos junto à Agência Internacional de Energia Atômica.

As nações árabes do Golfo Pérsico estão seguindo uma realpolitik nas suas relações com o Irã. Quando ficam em dúvida, elas pulam para o lado dos norte-americanos, mas preferem seguir a rota da negociação e do comércio. O líder de um emirado do Golfo Pérsico disse recentemente a uma delegação de políticos europeus: “A melhor forma de lidar com os iranianos é fazendo negócios com eles”.